CONSCIÊNCIA NEGRA: Mais de 100 capoeiristas se reunem para discutir as políticas voltadas para a proteção da arte negra no RN
20 de novembro de 2019
Reportagem: Laurence Campos / Nathalia Souza
O berimbau ecoa, a roda se forma e os corpos, flexíveis, mostram uma dança harmônica e cheia de identidade. Arte para alguns e esporte para outros, a capoeira é, na verdade, a representação imaterial da resistência de um povo que teve gingado para se esquivar da opressão: usar instrumentos musicais e cantos africanos foi a única forma que os escravos encontraram para fingir que estavam dançando – mas, na verdade, eles estavam praticando uma luta física trazida da sua terra, passando despercebidos pelos grandes senhores de engenho.
Aos poucos, o combate trazido pelos africanos foi ficando como é hoje: gingado, como o povo negro. Com apenas 4 anos, o corpo mole de Paulo Davi já é recebido com orgulho na roda de capoeira do Grupo Berimbaus do Oeste, sob as ordens do mestre Gildeão. Para o pai Francisco Neto, ex-professor de capoeira, o interesse do filho pela arte desde os 2 anos é a representação do orgulho negro pela sua história: “eu tive que deixar a capoeira depois do meu segundo infarto, mas hoje eu vejo meu filho tão pequeno já imitando os grandes capoeiristas. É uma surpresa e um orgulho pra mim”, conta, emocionado.
O pequeno Davi viaja o país para apresentar a capoeira. Na última semana, ele veio a Natal para participar do I Encontro Estadual para o Fortalecimento da Capoeira como Cultura e Desporto Brasileiro, organizado pela Salvaguarda da Capoeira no RN com o apoio do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas do Campus Avançado Natal – Zona Leste do IFRN (NEABI-ZL). Ao todo, mais de 100 capoeiristas de todo o estado participaram do evento.
Sobre o encontro
O I Encontro Estadual para o Fortalecimento da Capoeira foi aberto com uma roda de capoeira na área externa do Auditório Pedro Silveira e Sá Leitão; no palco, os capoeiristas tocaram e cantaram, com os berimbaus, o Hino Nacional Brasileiro.
Durante o evento, tomou posse a Câmara Setorial da Capoeira do Rio Grande do Norte (CSC-RN) para o biênio 2019 – 2021, a ser presidida por Nivaldo Freire da Silva (Mestre Arrepio), pedagogo e diretor fundador do Memorial da Capoeira. Para ele, o momento é de felicidade e esperança após anos tentando conseguir junto ao Governo do Estado a abertura de negociações por fomentos que auxiliem a sobrevivência da capoeira. “Nossa luta não se restringe somente à Semana da Consciência Negra, mas diariamente. São centenas de anos que lutamos por um direito nosso”, afirma Nivaldo. Na ocasião, também foram apresentados os 11 integrantes titulares da Câmara.
A programação do evento trouxe também uma mesa redonda com o tema “A capoeira hoje”, que discutiu obstáculos e projetos desenvolvidos em escolas da rede pública do nosso estado. O jornalista e escritor Paulo Magalhães, conhecido como Mestre Sem Terra, apresentou seu livro “Jogo de Discursos – A disputa por hegemonia na tradição da capoeira angola-baiana”, que faz comparações entre a Capoeira Angola e a Capoeira Regional.
Segundo Fernando Varella, coordenador do NEABI-ZL, desde 2014 os capoeiristas vem lutando em busca de visibilidade e políticas públicas que favoreçam a expressão cultural da capoeira, que já ofereceu muitas chances a jovens em situação de risco: “é a primeira vez que a capoeira tem um órgão junto ao Governo do Estado. Isso possibilita a implementação nas escolas e oportunidades de emprego para capoeiristas”.
Participaram ainda do evento o coordenador da Fundação José Augusto, Aluísio Matias dos Santos, e o Diretor-Geral Pro-Tempore do Campus Natal – Zona Leste, José Roberto dos Santos.
Sobre a capoeira
A capoeira é uma das expressões culturais mais antigas do Brasil. Trazida ao país no século XVII por escravos africanos, foi proibida até o ano de 1937. Hoje, ela é reconhecida como Patrimônio Imaterial Brasileiro (Iphan, 2008) e tem como uma das suas maiores representações a Roda de Capoeira, Patrimônio Imaterial da Humanidade (Unesco, 2014).